Órfão
de pai aos três anos de idade, Ariano foi morar com a família na fazenda Acauã,
no Sertão do Estado, município de Sousa. No período de 1933 a 1937 a família
Vilar Suassuna fixou residência nos sertões de Taperoá, onde na vida adulta
Ariano mantinha uma fazenda com a criação de bodes e cabras. Este universo
sertanejo impregnou toda sua vida, sua produção intelectual e seus personagens.
Foi de meu pai, João Suassuna, que herdei, entre outras coisas, o amor pelo
sertão, principalmente o da Paraíba, e a admiração por Euclides da Cunha,
revelou o autor do Auto da Compadecida.
A iniciação ao mundo literário
aconteceu nos sertões paraibanos, ainda na infância, quando Ariano assistiu a
apresentações de violeiros e repentistas, o que seria fonte de inspiração em sua
vida intelectual. Na adolescência, em 1942, a família transferiu-se para Recife
e o jovem Ariano frequentou os bancos escolares do Ginásio Pernambucano, Colégio
Americano Batista e Colégio Osvaldo Cruz. Em 1946 ingressou na Faculdade de
Direito do Recife, onde graduou-se em 1950.
Vem dessa época sua amizade com
Hermílio Borba Filho, com quem fundou o Teatro do Estudante do Recife e
posteriormente, em 1959, o Teatro Popular do Nordeste, com projeção e influência
na dramaturgia nacional. Sua primeira peça teatral, Uma mulher vestida de sol,
foi escrita aos 20 anos e a partir daí deu sequência a uma fértil produção
literária, O Auto da Compadecida, de 1955, consagrou o autor como um dos mais
importantes da dramaturgia nacional. Em paralelo exercia a advocacia
profissional.
Em 1956 o advogado Ariano Suassuna decidiu trocar a profissão
pelo magistério, como professor de Estética da Universidade Federal de
Pernambuco. Essa opção lhe permitiu dedicar mais tempo às suas atividades
literárias e assim escreveu uma série de peças teatrais e romances que o
notabilizaram no mundo intelectual brasileiro.
Junto com o Auto da
Compadecida, o Romance d'A Pedra do Reino é considerado a sua obra mais
importante, entre dezenas do seu vasto acervo teatral, de romances e poesia.
Membro fundador do Conselho Federal de Cultura, órgão consultivo do Governo
Federal, Ariano foi o idealizador em Recife, no início da década de 1970, do
Movimento Armorial, de valorização das nossas manifestações culturais populares
e busca de nossas afinidades ibéricas. Sob a influência dele, esse movimento
agregou artistas e intelectuais de vários campos, na música, teatro e
literatura.
O autor do romance A Pedra do Reino e do Auto da Compadecida
resgata em sua obra as raízes ibéricas das nossas tradições e costumes e projeta
os valores da cultura popular nordestina, na defesa e na construção da nossa
identidade cultural, O legado de Ariano revela fidelidade ao princípio do
escritor russo Leon Tolstoi, do século 19, segundo o qual Se queres ser
universal, começa por pintar a tua aldeia.
A influência de Ariano Suassuna
nas artes brasileiras vai além dos livros e dos textos, como autêntico guerreiro
cultural. Suas obras foram traduzidas para vários idiomas.
Ao tomar posse na
Academia Brasileira de Letras, em 1990, confessou que sua memória esteve sempre
voltada na busca pela figura paterna: Posso dizer que, como escritor, eu sou, de
certa forma, aquele mesmo menino que, perdendo o pai assassinado no dia 9 de
outubro de 1930, passou o resto da vida tentando protestar contra sua morte
através do que faço e do que escrevo, oferecendo-lhe esta precária compensação
e, ao mesmo tempo, buscando recuperar a sua imagem, através da lembrança, dos
depoimentos dos outros, das palavras que o pai deixou.
Declarou certa vez que
quando ultrapassou a idade que havia sido vivida pelo pai, 44 anos, procurou
encontrar um pai caçula entre as personalidades com quem conviveu, realizando
uma espécie de idealização psicológica para compensar a perda afetiva.
As
recordações brotam em forma de poesia:
Aqui morava um rei quando eu
menino
Vestia ouro e castanho no gibão,
Pedra da Sorte sobre meu
Destino,
Pulsava junto ao meu, seu coração.
Para mim, o seu cantar era
Divino,
Quando ao som da viola e do bordão,
Cantava com voz rouca, o
Desatino,
O Sangue, o riso e as mortes do Sertão.
Mas mataram meu pai.
Desde esse dia
Eu me vi, como cego sem meu guia
Que se foi para o Sol,
transfigurado.
Sua efígie me queima. Eu sou a presa.
Ele, a brasa que
impele ao Fogo acesa
Espada de Ouro em pasto ensanguentado.
Um dado
sintomático é que Ariano mantinha fidelidade à designação Parahyba, capital do
Estado da Paraíba, ao invés do nome adotado oficialmente pela Assembleia
Legislativa em 4 de setembro de 1930 numa homenagem ao ex-governador assassinado
João Pessoa.
O mestre Ariano Suassuna construiu em São José do Belmonte, no
Sertão do Pajeú de Pernambuco, onde se realiza a cavalgada inspirada no Romance
d'A Pedra do Reino, um santuário ao ar livre com as imagens de Jesus, Nossa
Senhora e São José, o padroeiro do município.
Uma de suas principais
bandeiras era a luta contra as invasões culturais alienígenas e os
estrangeirismos. As famosas aulas espetáculos conquistavam plateias em todo o País.
Nesses momentos ele exercia a sua criatividade e bom humor, à moda de um Dom
Quixote, personagem emblemático de Miguel de Cervantes, um dos seus autores
prediletos na literatura universal. Em tom de ironia, costumava dizer: Não troco
meu oxente pelo okay de ninguém.
O coração de Ariano pulsava ao som do
repente dos violeiros e repentistas nordestinos. Membro das Academias
Pernambucana e Brasileira de Letras, com projeção nacional e até internacional,
conservou os laços culturais e afetivos com os sertões de Taperoá na Paraíba e
do Pajeú em Pernambuco.
Presidente de honra do Partido Socialista Brasileiro
em Pernambuco, foi também secretário de Cultura e chefe da Assessoria Especial
do Governo do Estado. Professor aposentado da Universidade Federal de
Pernambuco, cidadão de classe média, Ariano e sua esposa Zélia moravam num
casarão de estilo colonial no bairro de Casa Forte, em Recife, em cuja varanda
se debruçava uma rede de dormir à moda interiorana.
Este foi o artista
admirável com quem tive a honra de privar da amizade e ouvir dele estórias
formidáveis do seu universo encantado. Reverencio a memória deste brasileiro e
sertanejo autêntico, cidadão sem fronteiras, cujo legado humanístico e cultural
ergue-se como bandeira para todas as gerações.
Era o que tinha a
dizer.